terça-feira, 1 de maio de 2012

Vida e obra

Por André Kfouri


Se Pep Guardiola não ganhar mais nenhum jogo em sua carreira, não importará.
Claro, importará para ele, que terá de sobreviver com as dúvidas existenciais e a respeito da própria capacidade. Que se perguntará se o Guardiola do Barcelona e o dos outros clubes é o mesmo treinador. Que, no fim, lembrará de seu período no Camp Nou com a mesma sensação que temos quando acordamos no meio da noite impressionados com um sonho bom, mas irrecuperável.
Importará para os pragmáticos, os conservadores, os medrosos. Sejam quem forem e estejam onde estiverem. Para os ressentidos, os humilhados, os deprimidos. Que se rendem à antipatia sem sentido, ou ao preconceito mal informado. Para os míopes, os insensíveis, os alienados. Que enxergam, mas não veem.
Importará para seus futuros empregadores, que comprarão sem receber. Para seus futuros jogadores, que estudarão sem aprender. Para seus futuros torcedores, que sofrerão sem vencer. E para seus futuros detratores, que falarão sem saber.
Importará para seus colegas, os bons e os nem tanto. Os bons lamentarão a ausência de um virtuoso, que fez da profissão de técnico de futebol um ambiente em que a criatividade, a ousadia e a fidelidade ainda encontram espaço. Um professor que não se vê merecedor de tal honra, que entende o jogo como entende a vida, caminhos que não valem a pena sem valores. Os bons, os bons de verdade, perderão alguém com quem se comparar, alguém para imitar, alguém para superar.
Os nem tanto se deliciarão com o alívio. A mediocridade os salvará. O fim de cores inalcançáveis aumentará o valor conferido ao cinza nosso de cada dia. Será o triunfo da insipidez, a consagração da nota 6. Melhor ainda, será o argumento que faltava para se deslumbrarem com o que definitivamente não são. Pois eles serão os primeiros a distanciar Guardiola deste Barça, como se um time assim pudesse existir sem um técnico. Baterão no peito e dirão “com aquele timaço, até eu”. Só não terão coragem para fazê-lo em público.
Importará aos infelizes para quem os espetáculos devem se restringir aos teatros e casas de óperas. Que pensam que o resultado final é o que nos define, e não a forma como o buscamos. Que ignoram que respeito se conquista com postura. Que são incapazes de receber as vitórias com classe, as derrotas com gentileza, as oportunidades com gratidão.
Importará para os que não gostam da bola, não são obcecados pelo passe, não acreditam que uma equipe deve se mover pelo gramado como se fosse uma única composição. Importará para os viciados em linhas de quatro, de oito, de onze. Importará para os que não entendem que filosofia de jogo não é uma receita para vencer, mas uma forma de se expressar. Importará para os egocêntricos e os egoístas. Os presunçosos e os pretensiosos. Os perdidos e os iludidos.
Mas para quem percebeu o que ele ajudou a construir nas últimas quatro temporadas, se Pep Guardiola não ganhar mais nenhum jogo, não importará. Em mais cem anos, provavelmente não haverá nada parecido.

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